sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

O maior ícone da luta pela liberdade e pela igualdade racial no mundo morreu nesta quinta-feira (5), aos 95 anos. O anúncio foi feito nesta noite pelo presidente sul-africano Jacob Zuma. Ele sofria de problemas respiratórios e estava recebendo cuidados médicos em casa. Nelson Rolihlahla Mandela, Nobel da Paz em 1993, o primeiro presidente negro da África do Sul, de 1994 a 1999, considerado o pai da Pátria, deixa mulher, 5 filhos, 17 netos, 14 bisnetos e um legado de luta incomparável.

Nos últimos meses, sua luta foi contra a deterioração da saúde. Mandela teve de ser internado quatro vezes em 2013, por causa de diversas complicações, a mais grave delas uma infecção pulmonar. As últimas fotos publicadas de Mandela mostravam um homem apático, confuso e abalado, que já não reconhecia líderes políticos e antigos amigos. Uma imagem totalmente diferente do líder que por 60 anos combateu a segregação racial, a intolerância política e as desigualdades sociais.

Mandela era chamado carinhosamente de Madiba por todos na África do Sul, uma alusão ao seu clã da tribo Xhosa. Nasceu em 18 de julho de 1918, num pequeno vilarejo de Mvezo, no distrito de Transkei, a alguns quilômetros de Johanesburgo. Seu pai era o bisneto de Ngubengcuka, o homem que unificou os Tembu, um dos povos da tribo de Mandela. Apesar de pertencer a uma linhagem real, Mandela sempre fez questão de ressaltar que nunca foi da linha de sucessão ao trono. Era um exemplo da humildade do futuro líder sul-africano.

Uma humildade herdada da família, que sempre comia em um prato único, dividido entre todos seus integrantes, sentados no chão em volta do alimento. Mais tarde, Mandela usaria esses momentos para demonstrar o espírito coletivo e o senso de responsabilidade comuns antes da influência do domínio branco na África do Sul. Aos sete anos, Mandela começou a frequentar a escola. “Ninguém da minha família jamais pisara em um colégio antes. Eu era o primeiro”, escreveu em sua autobiografia. No primeiro dia de aula, sua professora deu a cada um dos 20 alunos um nome inglês. Era uma prática comum dar nomes ingleses às crianças africanas. “De hoje em diante, seu nome será Nelson”, disse a professora no primeiro dia de aula. Mandela adotou o nome no lugar de Rolihlahla, que significa “encrenqueiro” na língua Xhosa. 


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O nome Xhosa de Mandela o definia muito melhor que seu nome inglês. Jovem espevitado e irrequieto, desde cedo Mandela deu sinais de querer quebrar regras e tabus. Aos 23 anos, largou a família e viajou para Johanesburgo para fugir de um casamento arranjado. Lá conhece Walter Sisulu, renomado advogado e ativista político sul-africano, e começa a trabalhar em sua empresa de advocacia. Foi nessa ocasião que Mandela casou com Evelyn Ntoko Mase, uma enfermeira prima de Sisulu. Por causa da influência de Sisulu, Mandela decide entrar em um curso de Direito na Universidade de Fort Hare. É ali que começa a se envolver na militância política ao se unir ao Congresso Nacional Africano (CNA) – organização que tinha como principal objetivo combater a segregação racial no país. Após divergências com a cúpula da entidade, Mandela e outros 60 membros formaram a Liga da Juventude do CNA, que defendia uma postura mais agressiva frente ao governo, embora sem uso da violência. Mandela participou e comandou greves estudantis e protestos contra a segregação racial.

O embate entre brancos e negros ficaria ainda mais duro após 1948, quando chegou ao poder o Partido Nacional. A sigla política representava os africâneres, ou boers, descendentes dos holandeses que chegaram no século XVII à região do Cabo e que constituem 60% dos 5 milhões de brancos sul-africanos. Aos poucos, o Partido Nacional começou a instituir na Constituição o regime de separação racial que já existia na prática. A política oficial de segregação do governo chamava-se apartheid, dividia os habitantes do país em grupos raciais e tirava dos negros o direito à cidadania sul-africana, tornando-os legalmente cidadãos de uma das dez pátrias tribais autônomas chamadas bantustões. Aos poucos, leis separaram negros e brancos em todas as esferas sociais e confinaram negros a bairros cada vez mais distantes e empobrecidos.   


Em 1952, Mandela obteve a licença para advogar e criar a primeira firma de advocacia de negros da África do Sul, com Oliver Tambo, também membro do CNA. Os dois intensificaram a campanha em defesa dos direitos negros e contra as inúmeras leis segregacionistas que passaram a vigorar. O CNA lançou a “campanha da provocação”, um desafio ao Partido Nacional, e Mandela ficou encarregado de comandar uma série de protestos pacíficos. Por causa de sua ação política, Mandela foi preso com outros 155 líderes do CNA por traição. Depois de um julgamento de quatro horas, as acusações foram retiradas. Com sua dedicação totalmente voltada para a luta contra o apartheid, seu casamento com Evelyn Mase acabou em 1957. No ano seguinte, Mandela se casou com Winnie Madikizela, a quem ficaria unido até 1996. 

Depois de incentivar e comandar uma série de protestos pacíficos contra as leis de segregação racial, um evento trágico mudou a maneira como Mandela encarava a luta contra o apartheid. Em 1960, a polícia sul-africana atirou contra 5 mil manifestantes negros desarmados que protestavam, matando 69 e ferindo 180. Depois do massacre de Sharpeville, Mandela passou a defender a resistência armada e coordenou uma campanha de sabotagem contra alvos militares e do governo. O Partido Nacional declarou estado de emergência e baniu o CNA. Com Mandela como líder, o CNA concluiu que os protestos pacíficos não eram suficientes para combater o apartheid e decidiu formar um braço armado: o Umkhonto we Sizwe (“Lança da Nação”).

Mandela era o homem que empunhava a Lança. Inspirado por Che Guevara, passou a ostentar uma barba e vestir uniforme camuflado. Era o comandante em chefe do grupo armado e viajava por vários países africanos como Libéria, Egito, Marrocos e Etiópia para aprender táticas de guerrilha. Quando voltou de sua jornada internacional, Mandela foi preso com Walter Sisulu. No dia do julgamento, compareceu ao tribunal em trajes tribais. Em 1962, foi condenado a cinco anos de prisão. Enquanto estava na prisão, a polícia invadiu um esconderijo do CNA e apreendeu documentos comprometedores de lideranças do grupo. 

Dez líderes, incluindo Mandela, foram julgados por 221 atos de sabotagem no que ficou conhecido como o Julgamento de Rivonia. Em 1964, Mandela foi condenado à prisão perpetua. “Durante a minha vida, dediquei-me a essa luta do povo africano. Lutei contra a dominação branca, lutei contra a dominação negra. Acalentei o ideal de uma sociedade livre e democrática na qual as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais”, disse no último dia do seu julgamento. “É um ideal para o qual espero viver e realizar. Mas, se for preciso, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer.” 

Mandela foi enviado para a prisão da Ilha Robben, um dos mais detestáveis presídios da história. Ocupou a cela de número 466/64, com 2,5 metros de altura por 2,1 de largura, e uma janela de 30 cm. Não tinha contato com o mundo exterior, e as visitas eram raras. Transferido duas vezes para outros presídios, Mandela não viu os levantes de Soweto em 1976, nem a morte do líder sul-africano Stephen Biko, mas soube do crescente isolamento internacional da África do Sul devido ao regime do apartheid. No período de 27 anos em que Mandela esteve preso, seu nome foi amplamente associado à oposição ao regime de segregação. O clamor "Libertem Nelson Mandela" virou lema das campanhas contra o apartheid em todo o mundo. 

A pressão internacional foi tamanha que, em fevereiro de 1990, Mandela foi libertado, aos 72 anos, por ordem do então presidente, Frederik Willem de Klerk. Seu retorno ao mundo exterior foi transmitido ao vivo pela TV, para o mundo todo, num sinal de sua importância histórica. Imediatamente, o governo e a oposição negra criaram mecanismos de transição para um sistema político não discriminatório. Foi criado um comitê, encarregado de elaborar a nova Constituição e de supervisionar as primeiras eleições multipartidárias e multirraciais. Por sua luta, Mandela ganhou o prêmio Nobel da Paz, em 1993, dividido com Frederik de Klerk.  

No mesmo ano, Mandela decidiu se candidatar à Presidência do país. Foi eleito abril de 1994, tornando-se o primeiro presidente negro da África do Sul. A vitória significou a transição pacífica de umregime draconiano para a democracia, o que muitos acreditavam ser impossível. Com sua sabedoria e poder de negociação, Mandela conseguiu evitar o banho de sangue que muitos temiam que ocorreria na África do Sul, quando negros derrubassem o regime de dominação branca. Seu governo “serviria para reconciliar oprimidos e opressores, uns com os outros e consigo mesmos”, disse Mandela.

Um dos momentos mais marcantes desse processo de reconciliação ocorreu em 1995, quando a África do Sul recebeu o Mundial de rúgbi- depois de anos em que o país estava suspenso de competições esportivas, como punição pelo apartheid. Esporte muito popular entre os brancos e africâneres, o rúgbi não era espaço tradicional dos negros, que se dedicavam mais ao futebol. A África do Sul era considerada uma equipe intermediária, com poucas chances de conquistar o título diante de seu adversário na final, os poderosos All Blacks, como é conhecida a seleção da Nova Zelândia. Mandela viu no evento esportivo uma oportunidade de integrar a nação e conversou com o capitão da equipe, Jacobus Francois Pienaar. A seleção sul-africana surpreendeu os All Blacks, ganhou o torneio, e Mandela entregou a taça a Pienaar. A cena do presidente negro entregando o troféu ao capitão branco entrou para a história.   

A capacidade de Mandela de manter unida a nação não funcionou dentro de casa. Seu relacionamento com Winnie Madikizela ia de mal a pior. Havia três anos ele cortejava publicamente Graça Machel, viúva do libertador de Moçambique, Samora Machel. O relacionamento entre os dois ficou conhecido na imprensa sul-africana como "o segredo mais mal-guardado do país". Em 1996, Mandela se separa de Winnie e passa a cortejar Graça Machel com mais afinco. Em 1998, Nelson Mandela casou-se com Graça Machel em uma cerimônica privada no palácio presidencial sul-africano.

Uma das maiores habilidades de Mandela ao longo da vida foi seu caráter ponderado e apaziguador. Isso lhe permitiu manter juntos vários setores da sociedade: dos tradicionalistas aos reformistas, dos conservadores aos liberais. “Se um ou dois animais se afastam, você vai e os traz de volta ao rebanho”, Mandela costumava dizer, enquanto na Presidência. “Essa é uma importante lição na política”. Embora tenha tido sucesso na dura empreitada de reconciliar os sul-africanos para refundar o país e criar a “nação arco-íris”, em aspectos mais práticos da vida política Mandela derrapou. Para alguns críticos, Mandela desperdiçou a oportunidade de fazer uma distribuição de renda mais justa no país e melhorar a vida econômica da população – A África do Sul tem um dos piores índices de distribuição de renda e ocupa a 125ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (o Brasil é o 85º). 

Mandela também agiu menos do que deveria em relação aos crescentes casos de corrupção no país, que terminaram impunes. A falta de políticas públicas para combater a grave epidemia de aids que se espalhou pela África do Sul também foram uma mancha em seu governo. Seu filho mais velho, Makagatho, morreu em 2001 devido a complicações da doença. Na ocasião da morte, Mandela afirmou: “Ser o pai de uma nação é uma grande honra, mas ser o pai de uma família é uma alegria ainda maior. Mas era uma alegria que experimentei muito pouco”.

Já como ex-presidente, Mandela teve papel importante em seu continente. Assumiu, no final de 1999, o papel de mediador no processo de paz no Burundi, onde se temia um conflito étnico nos moldes do ocorrido em Ruanda, em 1994. Mandela deu às negociações muito mais visibilidade internacional e conseguiu que fosse assinado um acordo de paz em 2000.


Em sua última década de vida, Mandela parecia querer compensar ou reparar a ausência de um passado mais próximo da vida familiar. Retirou-se da vida pública e passou a dedicar seu tempo à família e à “meditação silenciosa”. Em 2007, fundou o The Elders (os anciãos, em inglês), um grupo de líderes mundiais que se reúnem em torno de uma agenda humanitária e de promoção da paz. Sua última aparição pública foi em 2011, quando recebeu a visita da primeira-dama americana, Michele Obama.


Nelson Mandela era o último grande herói vivo do século XX. Ele entra para a história ao lado de líderes como Gandhi e Martin Luther King Jr., que acreditavam que a igualdade era um sonho possível. Com uma diferença: Mandela viveu o suficiente para experimentar o exercício do poder e sentir o gosto de mudar os rumos da história.  

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