O maior ícone da luta pela liberdade e pela igualdade
racial no mundo morreu nesta quinta-feira (5), aos 95 anos. O anúncio foi feito
nesta noite pelo presidente sul-africano Jacob Zuma. Ele sofria de problemas
respiratórios e estava recebendo cuidados médicos em casa. Nelson Rolihlahla
Mandela, Nobel da Paz em 1993, o primeiro presidente negro da África do Sul, de
1994 a 1999, considerado o pai da Pátria, deixa mulher, 5 filhos, 17 netos, 14
bisnetos e um legado de luta incomparável.
Nos últimos meses, sua luta foi contra a deterioração da
saúde. Mandela teve de ser internado quatro vezes em 2013, por causa de
diversas complicações, a mais grave delas uma infecção pulmonar. As últimas
fotos publicadas de Mandela mostravam um homem apático, confuso e abalado, que
já não reconhecia líderes políticos e antigos amigos. Uma imagem totalmente
diferente do líder que por 60 anos combateu a segregação racial, a intolerância
política e as desigualdades sociais.
Mandela era chamado carinhosamente de Madiba por todos na África do Sul, uma
alusão ao seu clã da tribo Xhosa. Nasceu em 18 de julho de 1918, num pequeno
vilarejo de Mvezo, no distrito de Transkei, a alguns quilômetros de
Johanesburgo. Seu pai era o bisneto de Ngubengcuka, o homem que unificou os
Tembu, um dos povos da tribo de Mandela. Apesar de pertencer a uma linhagem
real, Mandela sempre fez questão de ressaltar que nunca foi da linha de
sucessão ao trono. Era um exemplo da humildade do futuro líder sul-africano.
Uma humildade herdada da família, que sempre comia em um prato único, dividido entre todos seus integrantes, sentados no chão em volta do alimento. Mais tarde, Mandela usaria esses momentos para demonstrar o espírito coletivo e o senso de responsabilidade comuns antes da influência do domínio branco na África do Sul. Aos sete anos, Mandela começou a frequentar a escola. “Ninguém da minha família jamais pisara em um colégio antes. Eu era o primeiro”, escreveu em sua autobiografia. No primeiro dia de aula, sua professora deu a cada um dos 20 alunos um nome inglês. Era uma prática comum dar nomes ingleses às crianças africanas. “De hoje em diante, seu nome será Nelson”, disse a professora no primeiro dia de aula. Mandela adotou o nome no lugar de Rolihlahla, que significa “encrenqueiro” na língua Xhosa.
Uma humildade herdada da família, que sempre comia em um prato único, dividido entre todos seus integrantes, sentados no chão em volta do alimento. Mais tarde, Mandela usaria esses momentos para demonstrar o espírito coletivo e o senso de responsabilidade comuns antes da influência do domínio branco na África do Sul. Aos sete anos, Mandela começou a frequentar a escola. “Ninguém da minha família jamais pisara em um colégio antes. Eu era o primeiro”, escreveu em sua autobiografia. No primeiro dia de aula, sua professora deu a cada um dos 20 alunos um nome inglês. Era uma prática comum dar nomes ingleses às crianças africanas. “De hoje em diante, seu nome será Nelson”, disse a professora no primeiro dia de aula. Mandela adotou o nome no lugar de Rolihlahla, que significa “encrenqueiro” na língua Xhosa.
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nação perdeu seu maior filho", diz presidente da África do Sul
O nome Xhosa de Mandela o definia muito melhor que seu
nome inglês. Jovem espevitado e irrequieto, desde cedo Mandela deu sinais de
querer quebrar regras e tabus. Aos 23 anos, largou a família e viajou para
Johanesburgo para fugir de um casamento arranjado. Lá conhece Walter Sisulu,
renomado advogado e ativista político sul-africano, e começa a trabalhar em sua
empresa de advocacia. Foi nessa ocasião que Mandela casou com Evelyn Ntoko
Mase, uma enfermeira prima de Sisulu. Por causa da influência de Sisulu,
Mandela decide entrar em um curso de Direito na Universidade de Fort Hare. É
ali que começa a se envolver na militância política ao se unir ao Congresso
Nacional Africano (CNA) – organização que tinha como principal objetivo
combater a segregação racial no país. Após divergências com a cúpula da entidade,
Mandela e outros 60 membros formaram a Liga da Juventude do CNA, que defendia
uma postura mais agressiva frente ao governo, embora sem uso da violência.
Mandela participou e comandou greves estudantis e protestos contra a segregação
racial.
O embate entre brancos e negros ficaria ainda mais duro após 1948, quando
chegou ao poder o Partido Nacional. A sigla política representava os
africâneres, ou boers, descendentes dos holandeses que chegaram no século XVII
à região do Cabo e que constituem 60% dos 5 milhões de brancos sul-africanos.
Aos poucos, o Partido Nacional começou a instituir na Constituição o regime de
separação racial que já existia na prática. A política oficial de segregação do
governo chamava-se apartheid, dividia os habitantes do país em grupos raciais e
tirava dos negros o direito à cidadania sul-africana, tornando-os legalmente
cidadãos de uma das dez pátrias tribais autônomas chamadas bantustões. Aos
poucos, leis separaram negros e brancos em todas as esferas sociais e
confinaram negros a bairros cada vez mais distantes e empobrecidos.
Em 1952, Mandela obteve a licença para advogar e criar a
primeira firma de advocacia de negros da África do Sul, com Oliver Tambo,
também membro do CNA. Os dois intensificaram a campanha em defesa dos direitos
negros e contra as inúmeras leis segregacionistas que passaram a vigorar. O CNA
lançou a “campanha da provocação”, um desafio ao Partido Nacional, e Mandela
ficou encarregado de comandar uma série de protestos pacíficos. Por causa de
sua ação política, Mandela foi preso com outros 155 líderes do CNA por traição.
Depois de um julgamento de quatro horas, as acusações foram retiradas. Com sua
dedicação totalmente voltada para a luta contra o apartheid, seu casamento com
Evelyn Mase acabou em 1957. No ano seguinte, Mandela se casou com Winnie
Madikizela, a quem ficaria unido até 1996.
Depois de incentivar e comandar uma série de protestos
pacíficos contra as leis de segregação racial, um evento trágico mudou a
maneira como Mandela encarava a luta contra o apartheid. Em 1960, a polícia
sul-africana atirou contra 5 mil manifestantes negros desarmados que
protestavam, matando 69 e ferindo 180. Depois do massacre de Sharpeville,
Mandela passou a defender a resistência armada e coordenou uma campanha de sabotagem
contra alvos militares e do governo. O Partido Nacional declarou estado de
emergência e baniu o CNA. Com Mandela como líder, o CNA concluiu que os
protestos pacíficos não eram suficientes para combater o apartheid e decidiu
formar um braço armado: o Umkhonto we Sizwe (“Lança da Nação”).
Mandela era o homem que empunhava a Lança. Inspirado por
Che Guevara, passou a ostentar uma barba e vestir uniforme camuflado. Era o
comandante em chefe do grupo armado e viajava por vários países africanos como
Libéria, Egito, Marrocos e Etiópia para aprender táticas de guerrilha. Quando
voltou de sua jornada internacional, Mandela foi preso com Walter Sisulu. No
dia do julgamento, compareceu ao tribunal em trajes tribais. Em 1962, foi
condenado a cinco anos de prisão. Enquanto estava na prisão, a polícia invadiu
um esconderijo do CNA e apreendeu documentos comprometedores de lideranças do
grupo.
Dez líderes, incluindo Mandela, foram julgados por 221 atos de sabotagem
no que ficou conhecido como o Julgamento de Rivonia. Em 1964, Mandela foi
condenado à prisão perpetua. “Durante a minha vida, dediquei-me a essa luta do
povo africano. Lutei contra a dominação branca, lutei contra a dominação negra.
Acalentei o ideal de uma sociedade livre e democrática na qual as pessoas vivam
juntas em harmonia e com oportunidades iguais”, disse no último dia do seu
julgamento. “É um ideal para o qual espero viver e realizar. Mas, se for
preciso, é um ideal pelo qual estou disposto a morrer.”
Mandela foi enviado para a prisão da Ilha Robben, um dos
mais detestáveis presídios da história. Ocupou a cela de número 466/64, com 2,5
metros de altura por 2,1 de largura, e uma janela de 30 cm. Não tinha contato
com o mundo exterior, e as visitas eram raras. Transferido duas vezes para
outros presídios, Mandela não viu os levantes de Soweto em 1976, nem a morte do
líder sul-africano Stephen Biko, mas soube do crescente isolamento
internacional da África do Sul devido ao regime do apartheid. No período de 27
anos em que Mandela esteve preso, seu nome foi amplamente associado à oposição
ao regime de segregação. O clamor "Libertem Nelson Mandela" virou
lema das campanhas contra o apartheid em todo o mundo.
A pressão internacional
foi tamanha que, em fevereiro de 1990, Mandela foi libertado, aos 72 anos, por
ordem do então presidente, Frederik Willem de Klerk. Seu retorno ao mundo
exterior foi transmitido ao vivo pela TV, para o mundo todo, num sinal de sua
importância histórica. Imediatamente, o governo e a oposição negra criaram
mecanismos de transição para um sistema político não discriminatório. Foi
criado um comitê, encarregado de elaborar a nova Constituição e de
supervisionar as primeiras eleições multipartidárias e multirraciais. Por sua
luta, Mandela ganhou o prêmio Nobel da Paz, em 1993, dividido com Frederik de
Klerk.
No mesmo ano, Mandela decidiu se candidatar à Presidência
do país. Foi eleito abril de 1994, tornando-se o primeiro presidente negro da
África do Sul. A vitória significou a transição pacífica de umregime draconiano
para a democracia, o que muitos acreditavam ser impossível. Com sua sabedoria e
poder de negociação, Mandela conseguiu evitar o banho de sangue que muitos
temiam que ocorreria na África do Sul, quando negros derrubassem o regime de
dominação branca. Seu governo “serviria para reconciliar oprimidos e
opressores, uns com os outros e consigo mesmos”, disse Mandela.
Um dos momentos mais marcantes desse processo de reconciliação ocorreu em 1995,
quando a África do Sul recebeu o Mundial de rúgbi- depois de anos em que o país
estava suspenso de competições esportivas, como punição pelo apartheid. Esporte
muito popular entre os brancos e africâneres, o rúgbi não era espaço
tradicional dos negros, que se dedicavam mais ao futebol. A África do Sul era
considerada uma equipe intermediária, com poucas chances de conquistar o título
diante de seu adversário na final, os poderosos All Blacks, como é conhecida a
seleção da Nova Zelândia. Mandela viu no evento esportivo uma oportunidade de
integrar a nação e conversou com o capitão da equipe, Jacobus Francois Pienaar.
A seleção sul-africana surpreendeu os All Blacks, ganhou o torneio, e Mandela
entregou a taça a Pienaar. A cena do presidente negro entregando o troféu ao
capitão branco entrou para a história.
A capacidade de Mandela de manter unida a nação não
funcionou dentro de casa. Seu relacionamento com Winnie Madikizela ia de mal a
pior. Havia três anos ele cortejava publicamente Graça Machel, viúva do
libertador de Moçambique, Samora Machel. O relacionamento entre os dois ficou conhecido
na imprensa sul-africana como "o segredo mais mal-guardado do país".
Em 1996, Mandela se separa de Winnie e passa a cortejar Graça Machel com mais
afinco. Em 1998, Nelson Mandela casou-se com Graça Machel em uma cerimônica
privada no palácio presidencial sul-africano.
Uma das maiores habilidades de Mandela ao longo da vida foi seu caráter
ponderado e apaziguador. Isso lhe permitiu manter juntos vários setores da
sociedade: dos tradicionalistas aos reformistas, dos conservadores aos
liberais. “Se um ou dois animais se afastam, você vai e os traz de volta ao
rebanho”, Mandela costumava dizer, enquanto na Presidência. “Essa é uma
importante lição na política”. Embora tenha tido sucesso na dura empreitada de
reconciliar os sul-africanos para refundar o país e criar a “nação arco-íris”,
em aspectos mais práticos da vida política Mandela derrapou. Para alguns
críticos, Mandela desperdiçou a oportunidade de fazer uma distribuição de renda
mais justa no país e melhorar a vida econômica da população – A África do Sul
tem um dos piores índices de distribuição de renda e ocupa a 125ª posição no
Índice de Desenvolvimento Humano (o Brasil é o 85º).
Mandela também agiu menos
do que deveria em relação aos crescentes casos de corrupção no país, que
terminaram impunes. A falta de políticas públicas para combater a grave
epidemia de aids que se espalhou pela África do Sul também foram uma mancha em
seu governo. Seu filho mais velho, Makagatho, morreu em 2001 devido a
complicações da doença. Na ocasião da morte, Mandela afirmou: “Ser o pai de uma
nação é uma grande honra, mas ser o pai de uma família é uma alegria ainda
maior. Mas era uma alegria que experimentei muito pouco”.
Já como ex-presidente, Mandela teve papel importante em seu continente.
Assumiu, no final de 1999, o papel de mediador no processo de paz no Burundi,
onde se temia um conflito étnico nos moldes do ocorrido em Ruanda, em 1994.
Mandela deu às negociações muito mais visibilidade internacional e conseguiu
que fosse assinado um acordo de paz em 2000.
Em sua última década de vida, Mandela parecia querer compensar ou reparar a
ausência de um passado mais próximo da vida familiar. Retirou-se da vida
pública e passou a dedicar seu tempo à família e à “meditação silenciosa”. Em
2007, fundou o The Elders (os anciãos, em inglês), um grupo de líderes mundiais
que se reúnem em torno de uma agenda humanitária e de promoção da paz. Sua
última aparição pública foi em 2011, quando recebeu a visita da primeira-dama
americana, Michele Obama.
Nelson Mandela era o último grande herói vivo do século XX. Ele entra para a
história ao lado de líderes como Gandhi e Martin Luther King Jr., que
acreditavam que a igualdade era um sonho possível. Com uma diferença: Mandela
viveu o suficiente para experimentar o exercício do poder e sentir o gosto de
mudar os rumos da história.
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